UPK - Boletim 06 - Cynolebias sandrii
A UPK – União Paulista de Killifishes foi o grupo pioneiro de aquaristas e criadores de killifishes em São Paulo, quiçá do Brasil, desde 1984 (segundo dados do primeiro Boletim nº00 de 1989 e como testemunha ocular). Transcrevemos esse sétimo boletim com ciência e anuência do Biólogo Júlio Cezar Ghisolfi que é um dos fundadores da UPK.

UPK – Boletim 06 2-8
A PALAVRA DO EDITOR
Foi um sucesso nossa participação na I Expo-aquário realizada no Instituto Oceanográfico da USP. Gostaria de agradecer, em nome da UPK, a todos os associados que contribuíram para que tal sucesso fosse atingido. Realizamos três palestras de introdução aos Killifishes, os quais foram bastante concorridos. A distribuição de nosso boletim durante o evento obteve um grande êxito. A demanda foi tão grande que nos obrigou a providenciar a reimpressão com mais 1000 exemplares. Os resultados de nossa participação estão começando a aparecer, pois temos recebido um grande número de cartas solicitando informações de como se filiar à nossa União, porém não podemos ficar parados e novos eventos já estão sendo preparados para breve. ainda neste bimestre não teremos a volta das reuniões mensais em nossa sede provisória, às quais, em função de nova exposição, ficam temporariamente suspensas. Estamos viabilizando um aumento do número de páginas de nosso boletim, mas para que isso ocorra, necessitamos de uma colaboração mais efetiva de nossos associados, portanto mãos-a-obra. Finalmente, graças à colaboração de André Carletto, estamos mudando parcialmente o visual de nosso boletim, o qual a partir deste número passa a ser editado em computador, também o tamanho do tipo está sendo diminuído para podermos aumentar o número de informações. Esperamos que essas mudanças sejam de agrado geral.
Até o próximo.
Celso A. G. Lopes.
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“NOTÍCIAS”
– Em 15/09/90 recebemos a visita de um grande número de aquaristas de Santa Catarina, membros da Associação Joinvilense de Aquariofilia e Ictiologia (AJAI). os quais, capitaneados por nosso amigo Dr Vilson Franciosi, fretaram um ônibus e vieram à São Paulo para visitar o Museu do Mar, Aquário Municipal de Santos, I Expo-Aquário, Exotiquarium e Aquário de Itaquera. A UPK, através de Celso A.G. Lopes, Júlio Cezar Ghisolfi e André Carletto, teve o prazer de ciceronear o grupo em São Paulo, sendo o encontro gratificante. Nesta ocasião recebemos alguns adesivos da AJAI, os quais estão à disposição de nossos associados.
– O comércio especializado começa a reagir às solicitações da UPK, pois nesses 2 últimos meses foram encontradas nas lojas as seguintes espécies:
Rivulus santensis, R; punctatus, Cynolebias adloffi, C. melanotaenia e C. wolterstorffi, além das normalmente encontradas.
– Nosso amigo Carlos Tatsuta já enviou notícias do Japão, seu endereço atual já se encontra na listagem que será distribuída ainda este mês.
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UPK – Boletim 05 3-8 a 5-8
O KILLI EM DESTAQUE
O estado do Rio de Janeiro é especialmente rico em espécies “anuais”, sendo atualmente conhecidas e consideradas válidas 10 espécies, havendo pelo menos mais uma a ser descrita, e uma a confirmar.
Em 1942, o ictiólogo norte americano George Sprague Myers, publicou a descrição de seis espécies a saber: Cynolebias whitei, C. constanciae, C. minimus, C. opalescens, C. splendens e C. zingiberinus. As três últimas eram provenientes da localidade de Raiz da Serra, onde eram encontradas em simpatria (convivendo juntas) nas poças e brejos da região. Destas espécies C. zingiberinus havia sido anteriormente descrita como C. marmoratus por Ladiges em 1934. Segundo relatos da época, as três espécies eram extremamente frequentes na região, não correndo aparentemente, risco de extinção, sendo objeto de assíduas coletas com finalidade de exportação para a Europa já em fins da década de trinta.
Em 1944, Myers escreve um artigo na revista especializada The Aquarium, onde reconhece, embora relutantemente, a sinonímia, e faz uma comparação entre C. opalescens, C. splendens e C. marmoratus, dando também alguns dados ecológicos.
A descrição que ele faz do macho de C. splendens sugere um peixe espetacular: o dorso vermelho-acastanhado, os flancos azul-esverdeados com várias faixas verticais, variando do vermelho-tijolo ao vermelho-cereja com vermiculado azul, e a dorsal de formato mais ou menos triangular com a borda superior azul-esbranquiçado, e as peitorais incolores. A fêmea tem o colorido uniforme dourado mel.
Ao término da segunda guerra mundial, não se tinha mais notícias sobre essas espécies, suspeitando-se que tivessem sido extintas, quando das campanhas de combate aos mosquitos transmissores de febre amarela, em que enormes áreas brejosas, de várzeas e mangues nos arredores da cidade do Rio de Janeiro, foram aterradas ou sofreram “bombardeios” com DDT e querosene. A “batalha” era feroz e necessária e, pelo menos na época, o inimigo foi vencido, infelizmente foram destruídos também os aliados, entre eles os pequenos peixes anuais.
Em 1952, G.S. Myers propõe o sub-gênero Leptolebias, que reuniria as Cynolebias de corpo pequeno, delgado e cujas fêmeas, diferentemente das fêmeas de Cynolebias típicas, não possuem marcas ou manchas, apresentando coloridos monocromático. Cientistas e aquaristas do Brasil e do exterior procuraram infrutiferamente as espécies desaparecidas. Inclusive a UPK organizou uma viagem de coleta; sendo muito frustrante encontrar as regiões, outrora repleta de peixes, sem nenhum sinal destes.
Finalmente, em novembro de 1985, um herpetologista da UNFRJ, coletando girinos de anfíbios em um brejo, numa área de mata nativa distante vários km da localidade típica, encontrou dois exemplares machos de um Rivulideo muito interessante. Como porém peixes não fossem sua especialidade, colocou em um aquário comunitário, onde mantinha outros exemplares da fauna icitiológica daquela região. Algum tempo após, em conversa com o ictiólogo Wilson Costa (único especialista em Cyprinodontiformes do nosso país), fez referências ao pequeno exemplar, que ele supunha ser do gênero Rivulus, mencionando seu admirável colorido. Ora, o Dr. Costa desconhecia a existência de qualquer espécie de Rivulus com as características descritas por seu colega, fazendo questão de ver pessoalmente o referido animal. Qual não foi sua surpresa ao descobrir nadando em meio a lambaris e guarus um magnífico exemplar de Cynolebias splendens.
Foi organizada rapidamente uma expedição com a finalidade de se capturar alguns exemplares para estudo científico. Após algumas tentativas infrutíferas, foram coletados um número indeterminado de exemplares de ambos os sexos, os quais foram fixados de imediato e parte mantidos vivos para estudos sobre comportamento em cativeiro, tendo estes exemplares ficado a cargo de K. Tanizaki, ecologista da referida universidade.
Paralelamente, o Dr. Costa e Marco Túlio Côrtes Lacerda realizavam extensa pesquisa nos arquivos do Museu Nacional e de diversas entidades estrangeiras correlatas, e descobriram que tanto C. splendens como C. opalescens haviam sido descritas por especialistas patrícios A. Farias e H. Muller em data anterior à descrição de Myers (Revista Naval, 1937), e o que é pior, o próprio Myers tinha conhecimento deste fato, como ele mesmo confessa em carta à S. Weistman datada de agosto de 1971, onde ele alega razões inconsistentes para por em dúvida a validade destas descrições.
Rapidamente foi escrito um artigo o qual foi publicado na Revue Française D’Aquariologie – número 4, quarto trimestre – 1987, Pag. 127 a 132, tornando assim pública, especialmente para o meio científico, a redescoberta e as descrições, tornando válidos assim os nomes C. sandrii e C. fluminensis. Posteriormente W. Costa elevaria o sub-gênero Leptolebias à categoria de gênero.
Neste meio tempo, o Sr. Tanizaki vinha tendo péssimos resultados nas tentativas de manutenção e reprodução da espécie, recorrendo a frequentes capturas para manter seu plantel. Nesta época comecei a fazer pressão sobre Marco Túlio, para ver se conseguia um casal, a fim de “tentar a sorte”. Foi então que vim a saber que o Sr. Tanizaki se opunha a fornecer-me um casal, com medo que pudesse vir a criá-los e distribuí-los entre outros aficcionados, opunha-se também à divulgação do local das coletas, com receio de que oportunistas pudessem vir a tirar proveito da informação e alterar as condições naturais do local, no que a UPK concorda plenamente. Porém estabeleceu, desta maneira, para si o monopólio da “conservação da espécie”. Finalmente, após muita insistência junto ao Marco Túlio, e à revelia do Sr. Tanizaki, me foi liberado um casal, o qual sobreviveu por muito pouco tempo, mas deixou um número pequeno de ovos.
Posso dizer que felizmente, apesar de ser uma espécie de reprodução difícil e com alta proporção de machos em relação às fêmeas por cria, graças aos esforços conjugados de membros da UPK, poderemos manter esta bela espécie reproduzindo por muito tempo ainda.
Atualmente a situação das Leptolebias na natureza é tão delicada quanto à situação das que estão em cativeiro, pois embora a localidade em que estão não corra risco imediato de especulação imobiliária, trata-se de uma área relativamente pequena e como tal, sujeita a acidentes como por ex. os incêndios a que nossas reservas são particularmente suceptíveis.
Figura portanto esta espécie, com justiça, no RED DATA BOOK da World Wildlife Foundation, sendo portanto sua captura e comércio crime sujeito às penas previstas na legislação brasileira.
Esperamos que com as atuais mudanças na política ambientalista possamos assegurar a preservação e posterior liberação desta espécie, permitindo assim que todos os hobistas interessados possam manter e reproduzir este pequeno peixe de estória tão peculiar.
Julio Cezar Ghisolfi.
Lista das espécies de Cynolebias originárias do estado do Rio de Janeiro:
C. whitei, C. constanciae, C. minimus, C. fractifasciatus, C. cruzi, C. fluminensis, C. sandrii, C. marmoratus, C. nanus e C. citrinipinnis. Quanto à espécie citada no texto como “a confirmar” trata-se de C. schreitmuelleri, Ahl, 1934, a qual, embor descrita oficialmente, até hoje não foi localizada na natureza, havendo suspeitas de se tratar de C adloffi, uma vez que Ahl realizou seu trabalho baseado em exemplares fixados, cuja origem provável seria o estado do Rio de Janeiro. A espécie citada como a que está para ser descrita, só temos como registro documental um exemplar macho coletado simpátrico à C. minimus.
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VIVÊNCIAS
No dia primeiro de janeiro de 1988 saímos de São Paulo em companhia de Júlio Cezar Ghisolfi e Carlos Tatsuta em busca de Cynolebias sandrii. As perspectivas de encontrarmos o peixe eram mínimas, pois apenas tínhamos como referência a região de Raiz da Serra e uns poucos dados desencontrados que tentávamos montar como um quebra-cabeças. Eram dados vagos do tipo: perto da poça existe um prédio branco, a poça está em local protegido por algum tipo de vigilância, a poça estaria em local de fácil acesso, etc. Enfim, as possibilidades eram mínimas, mas mesmo assim, a vontade de possuir o peixe nos motivou a realizar tal viagem.
Após passar a noite nos revezando na direção, chegamos ao Rio de Janeiro e nos dirigimos à Raiz da Serra, entramos em praticamente todas as picadas da região e lançamos peneira em um número incontável de poças sem lograr nenhum tipo de sucesso, tudo que conseguimos eram picadas de insetos e sanguessugas grudadas em nossas mãos e braços, além de um calor insuportável. Ficamos no mato praticamente 12 horas quando então resolvemos procurar um local para passar a noite, rodamos por cerca de 4 horas em busca de um hotel, hospedaria ou pensão sem sucesso, nem mesmo motel encontrávamos com vagas disponíveis. Decidimos então rumar em direção a Petrópolis onde chegamos por volta de meia noite, após rodarmos por toda cidade, só conseguimos arrumar um quarto em uma pensão de décima categoria e mesmo assim tivemos que dividir o quarto com outra pessoa. Para completar nossa alegria não havia água nem para escovar os dentes quanto mais para tomar banho. Acredito que nenhum de nós pegou no sono, simplesmente desmaiamos pois já eram quase 3 horas da madrugada do dia 2/1 e faziam no mínimo 36 horas que eu não dormia. Às sete horas da manhã já estávamos tomando café e conversando sobre nossa ideia fixa: localizar o peixe. Rumamos novamente à Raiz da Serra, foi mais um dia de procura, calor, sanguessugas e picadas de insetos sem obter resultados, quando então resolvemos voltar à São Paulo, pois no dia seguinte, tanto o Júlio quanto o Carlos, tinham que trabalhar e eu ainda deveria viajar para o litoral sul de São Paulo para encontrar com a minha família, que se encontrava de férias.
Só na viagem foram 49 horas, das quais dormimos apenas quatro, fora a véspera da viagem que, por ser passagem de ano, também não havíamos dormido.
O resultado foi nulo, ou seja não encontramos nada, a despeito da quilometragem percorrida. Resolvi escrever estas linhas pois não quero que todos achem que nossas viagens sempre são produtivas como pode sugerir as VIVÊNCIAS publicadas anteriormente.
Hoje conheço o local onde o peixe foi reencontrado, o qual me foi confidenciado por um amigo e por mais incrível que possa parecer, estivemos muito perto; não mais do que 5 km, o que nada representa perto dos 1.500km que percorremos nesta viagem.
Celso A.G. Lopes
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DOCUMENTO
Cynolebias sandrii
Neste número iniciamos um novo espaço em nosso boletim, denominado HISTÓRICO, sob este título mostraremos uma reprodução da descrição original de um killie, isto sempre que as condições técnicas assim o permitirem; quando não for possível, faremos uma transcrição literal do texto original.
Iniciando este espaço, trazemos a descrição de C. sandrii, infelizmente a má qualidade gráfica de nosso original não permite cópia xerográfica em condições aceitáveis para a canfecção da matriz do OFF-SET; portanto faremos a transcrição literal do texto. Vale ressaltar que o artigo foi publicado em março de 1937, na Revista Naval e portanto a grafia e as designações são as que eram utilizadas na época:
ESPÉCIE DA FAMÍLIA Cyprinodontidae,
GENERO Cynopoecilus, CONSTATADAS
EM ÁGUAS DO BRASIL
ASCANIO FARIA (Do serviço de caça e pesca)
E
HANS MULLER (Piscicultor)
Cynopoecilus sandrii (sp. nova)
A denominação de Cynopoecilus se comprehende por serem os individuos pertencentes a esse genero, portadores de dentes caniformes e pela coloração intensa e variada do corpo. O nome da especie foi dado em homenagem aos piscicultores Sandrii, que foram os primeiros a encontrar exemplares da mesma.
HABITAT
Estado do Rio de JAneiro, em pequenas poças que se encontram em logares sombrios, nas visinhanças de pequenos rios, poças essas que são fartas dagua no inverno e que seccam completamente à medida que avança a estiagem.
DESCRIPÇAO
Para a descripção que se segue examinamos cinco exemplares jovens da especie, conservados em alcool e formol, e outros individuos mantidos em pequenos aquarios da firma “Aquario Rio LTDA.”.
Altura no comprimento do corpo de 4 1/4 até 5 1/4 vezes. Cabeça no comprimento do corpo de 3 até 3 1/2 vezes. Olho na cabeça de 2 até 2 1/4 vezes. Espaço inter-orbital igual ao diametro do olho. Comprimento da peitoral 1 3/5 vezes na cabeça. Focinho largo e chato sendo um pouco mais curto que o diametro do olho. Dorsal com 13 raios, começando na metade da linha que vae da base da caudal até a vertical ao centro do olho: essa barbatana encontra-se, na femea, localizada um pouco mais para tras. Os raios antriores dessa nadadeira são mais curtos que os posteriores que atingem o dobro do comprimento dos promeiros, dando-lhe, assim, um contorno sinuoso. A anal de 15 raios começa um pouco antes da linha anterior da dorsal, sendo mais ou menos da mesma largura e tambem da mesma forma da dorsal. Apresenta ella, entretanto, os raios posteriores mais curtos que os da dorsal. A caudal é bem arredondada e ampla. Contamos na linh lateral de 28 até 30escamas. Apresenta os exemplares a coloração cinzento-azulada clara, com 14 nitidas faixas transversaes de cor vermelho lacre no corpo, dispostas do bordo posterior do operculo até a inserção da caudal. A caudal e a anal com 3 e a dorsal com 6 faixas identicas às do corpo, porem, de contorno sinuoso. A anal e dorsal apresentam no borso externo um ligeiro azul phosphorecente. O olho apresenta uma orla externa da mesma cor. A cabeça com um desenho irregular com faixas tambem azul phosphorecentes, de um modo geral as barbatanas deixam ver, além das faixas vermelhas ja descriptas, uma coloração cinzento-avermelhado diffusa de conformidade com o desenho numero 5, verificamos em varios exemplares jovens o seguinte astecto dentario:
No maxilar – No bordo externo encontramos 4 dentes caniniformes com regular desenvolvimento. Entre esses, vimos diversos outros menores villiformes.
Na mandibula – Vimos 10 dentes caniniformes no seu bordo externo, dispostos segundo o desenho numero 6. Para dentro da mandibula e do maxilar distinguimos diversas ordens de pequenos e numerosos dentes,
A femea não apresenta a coloração já descripta para o macho, sendo a coloração do seu corpo du marrom claro diffuso. as barbatanas dorsal, anal e caudal, dellas, não têm o mesmo desenvolvimento que o que se verifica no macho, sendo transparente, quasi sem côr. Examinamo-lhes 6 exemplares, de comprimento, variando entre 14 e 17mm, encontrando todos elles ovados. Os mahos são um ´pouco maior que as femeas, tendo o maior exemplar examinado attingido 25mm, medida tomada da ponta do focinho ao ponto de incerção da nadadeira caudal.
O artigo tem sequencia com a descrição de Cynopoecilus fluminensis (sp. nova).
Revista naval – março, de 1937, pags. 98-99
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